quarta-feira, 14 de maio de 2014

O mundo em branco e preto...

De fato, olhando hoje para trás, vejo que muitas vezes me senti fora, com uma sensação de não pertencer àquilo tudo a minha volta. A insegurança foi minha companheira de longa data, e não podia ser diferente na minha adolescência, onde quer se provar de tudo e a todos que nós fazemos a diferença, que nós marcamos um espaço nos grupos sociais.

Para sobreviver a mim mesmo, criei desde pequeno uma carcaça de agressividade e braveza. Era respeitado por isso no colégio e só por isso. Hoje eu vejo que eu poderia ter feito muito mais diferença com a minha música, com as minhas idéias e com as palavras que escrevia. Eu era temido pelos rapazes e admirado pelas moças, por ter um jeito meio blazê e diferente de ser, de sorrir um sorriso tão raro que quando ele acontecia se destacava esteticamente no meu rosto. O meu sorriso era uma unanimidade, não pelo fato estético propriamente dito, mas por ser tão raro.

Essa casca de seriedade era tão densa que me impedia de ver até os olhares mais ternos dirigidos a mim. Por isso sempre fui de poucas namoradas, mas de longos relacionamentos, pois quebrada a casca, eu era intensidade pura: um vulcão em ebulição. Hoje, avaliando essa época passada com a maturidade dos anos, percebo que eu já tinha depressão desde a tenra idade e que muitas vezes o mundo se descoloria em branco e preto, abrindo um imenso buraco no chão, no qual eu caia em camera lenta, numa imensa dor e desconsolo.

Naquela época não se falava em depressão, pois não era coisa de pessoas normais e muito menos de jovens. Mas a diferença entre o hoje e o ontem é que hoje a depressão é discutida abertamente, temos remédios que a controlam. Naquela epoca a gente entendia ela como uma profunda tristeza sem razão de ser. O máximo que eu me permitia era me achar um tanto quanto melancólico e canalizava tudo isso para a música. Comecei a estudar violão aos 8 anos de idade e nunca mais parei. Estudava 7 a 8 horas por dia e aquilo me preenchia de uma maneira ímpar. Me preenchia o enorme vazio que me habitava.

De vez em quando, lia textos sobre o meu signo, capricórnio, e achava que essa tristeza, esse andar sozinho e vago era a minha herança astrológica. Pra ser sincero isso às vezes me acalentava, pois era uma explicação ao menos. A depressão me acompanhava na maior parte dos momentos, mas não em todos. Houve épocas em que eu vivi sem ela e o sentimento de inapropriedade se afastava de mim. Isso poderia durar dias, meses, ou até anos. Mas ela sempre voltava para andar ao meu lado. E isso perdurou durante anos, até 2005.

2005 foi um ano atípico na minha vida. Tudo que poderia ter acontecido, aconteceu. Tanto nas questões afetivas, de relacionamentos, de trabalho, de amigos, de incertezas, de tudo. E de ruim, sob a perspectiva da época. Hoje eu vejo aquilo tudo com bons olhos. Não na época não foi bem assim... 


Naquele ano, mais precisamente no segundo semestre, eu conseguia ficar sentado na poltrona da sala, parado, olhando para um ponto fixo na parede por horas. Quase sem piscar, pois as lágrimas mareavam o olhar e entorpeciam a necessidade de piscar. Era uma dor tão profunda que eu nem sabia de onde ela vinha. Não tinha vontade de fazer nada. Nada fazia sentido. Nada se encaixava direito. Eu havia dobrado os joelhos. Eu estava caindo. Foi quando recebi pela primeira vez o diagnóstico: depressão. Finalmente alguém havia me dado uma explicação para um dos maiores enigmas da minha vida. E melhor, agora eu sabia o que era e como tratá-la.

Comecei a me medicar e a me erguer novamente. Na verdade, de uma maneira que nunca havia me reerguido. É um remédio milagroso, sem dúvida. Já parei umas duas vezes de tomar, mas a velha amiga voltou com força total. Tomarei remédio pelo resto da vida? Não sei, e se querem saber, pouco me importa. O importante é permanecer bem com remédio ou sem remédio. Essa é a minha opinião. Há quem ache que depressão é corpo mole, que é só pensar nas coisas boas que se tem que ela vai embora. A depressão é um desequilíbrio químico do cérebro.

Diz um amigo meu, médico, que as pessoas mais interessantes que ele conhece são um pouco depressivas. Que grandes poetas eram depressivos e que grandes seres humanos que passaram pelo mundo também o eram. Como eu também sei que grandes pessoas fizeram grande diferença no mundo sem ter que conviver com ela.

Nos textos que eu leio, nos diversos blogs que visito, parece que eu sinto um "quê" dela em quem escreve. Não todos, mas uma parte dos blogueiros que eu leio me parecem meio depressivos, mesmo que o texto seja sobre algo engraçado. Parece que está no DNA da escrita, é perceptível.

Seja lá como for, qualquer coisa vale à pena, para que eu possa me sentar diante deste computador e transbordar o que eu sinto, as coisas que eu acho e as percepções que tenho. Poder fazer isso é sem dúvida enriquecedor. Poder compartilhar minhas experiências com outras pessoas que eu nem conheço, mas que compartilho a palavra como a um irmão de sangue é inexplicável.

Na vida, tudo tem remédio. Que bom.

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