quarta-feira, 14 de maio de 2014

Lembranças de infância...

Meu pai sempre gostou de viajar, de pegar estrada. Como bom mineiro que sempre foi, de uma cidadezinha do triângulo mineiro, gostava da natureza e da beleza que ela exibia. Sempre me lembro dele me mostrando alguma espécie de árvore, um novo nome de fruta, nas andanças que fazíamos pelo interior de Minas.

Minas sempre foi minha referência maior, pois toda minha família é mineira, apenas eu e meus irmãos nascemos em São Paulo. Então, quando as férias chegavam, lá íamos nós para Minas. Eram horas e mais horas de viagem pelos mais diversos tipos de paisagens bucólicas, nas estradas que parecem existir só em Minas. E tudo era uma aventura, desde brigar com meus irmãos para ver quem ia na janela e quem ficava no meio do banco, até parar naqueles postos de gasolina para fazer xixi e comer doce de leite.

Mas algumas lembranças são mais fortes dessas viagens. Durante o percurso de mais de 8 horas de estrada, meu pai sempre comentava conosco sobre os infindáveis campos de capim-gordura à margem das estradas, das plantações de milho, café, cana-de-açucar e laranja que verdejavam a paisagem. Perdi a conta de quantas vezes ele parava o carro no acostamento só para bater foto de Ipê. "Nó sô, era bunito dimais da conta!" Aqueles Ipês solitários pairando, quase que suspensos no ar, sob os campos de capim-gordura.

Como as viagens eram constantes e as aulas que meu pai dava sobre a natureza também, ele sempre fazia chamada oral durante a viagem, de modo a saber como andava nosso interesse e conhecimento sobre seus ensinamentos. E as perguntas variavam: "Que plantação é essa?", "Que tipo de capim é esse?", "Aquilo é um Ipê ou uma Quaresmeira?", "Qual daquelas árvores é um pé de jenipapo?"

Tem duas coisas que meu pai ama fazer: pescar e observar as árvores e seus frutos. Conhece tudo esse mineiro. E eu aprendi com ele a gostar da natureza, de observar as espécies e seus frutos. Só não aprendi a pescar e nem vou aprender. Eu sempre perguntava a ele: Pai, que graça tem enfiar um ferro pontudo no fiofó da minhoca e ficar rasgando boca de peixe? Ele ria e dava de ombros:)

A herança disso tudo é que hoje eu consigo ouvir passarinhos no meio do barulho infernal do trânsito de São Paulo. Já me peguei várias vezes engarrafado na marginal do rio Pinheiros, observando as garsas e capivaras na beira daquele lixo todo. Ou uma debandada de passarinhos de algum pé de fruta. Nomes como jatobá, guariroba, gabiroba, ata, coquinho-de-vassoura, mangostim, jenipapo, fruta-de-lobo, entre outras, eu aprendi observando as observações do meu pai sobre as coisas que via.

Há algum tempo me brotou a idéia de entrevistá-lo em vídeo para a posteridade. Para que possam ser guardadas todas as histórias que ele viveu, as pessoas que conheceu e como foi a transformação do mundo através de seus olhos sempre observativos.

E isso é algo que não se pode postergar muito, pois nunca se sabe até quando você terá a chance e o privilégio da companhia do teu pai.

Mas eu carrego comigo o impulso contemplativo do meu pai, sobre as árvores, os frutos e os animais. Quer herança melhor?

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